segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Juristas entregam parecer a CPI indicando crimes de Bolsonaro na pandemia


 Um grupo de juristas, coordenados pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, entregou ontem à CPI da Covid um parecer que lista os possíveis crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro ao longo da pandemia de covid-19 no país.

O documento de mais de 200 páginas é dividido em crimes de responsabilidade, crimes contra a saúde pública, crimes contra a paz pública, crimes contra a administração pública e crimes contra a humanidade. O parecer será analisado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), que pode se basear nos apontamentos dos juristas ao formular o relatório final da comissão.

Na avaliação dos juristas, as investigações comandadas pela CPI apontam que Bolsonaro cometeu ao menos um crime em todas divisões propostas, incluindo charlatanismo e prevaricação (veja abaixo o resumo).

Vale lembrar que os possíveis crimes de responsabilidade são analisados pela Câmara de Deputados e podem resultar em processos de impeachment, enquanto o indiciamento de crimes comuns do presidente dependem da análise da PGR (procuradoria-geral da República).

O relatório também lista outros crimes que podem ter sido cometidos por outros agentes públicos, como corrupção passiva e estelionato, e também responsabiliza o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o ex-secretário Executivo da pasta Élcio Franco por diversas práticas.

"A falta de coragem na imposição de medidas impopulares, mas absolutamente necessárias, e a omissão consciente, assentindo no resultado morte derivado da inação, conduzem à evidente responsabilização do desastre humanitário aos condutores da política de saúde no país, em coautoria: presidente da República Jair Messias Bolsonaro, então Ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, cabendo em face do primeiro a propositura de Ação por Crime de Responsabilidade", diz o documento.

O grupo de juristas atua desde junho na prestação de consultoria jurídica aos senadores. Os juristas compilaram depoimentos, documentos, provas e dados obtidos desde a criação da comissão, em abril, até o mês de agosto, para delinear qual é o arcabouço jurídico que pesa contra os integrantes do governo sob a mira da CPI.

As conclusões serão avaliadas por Renan Calheiros, responsável por apresentar o parecer final da CPI com as conclusões da investigação. O relator planeja entregar a conclusão ainda neste mês.

Veja um resumo dos possíveis crimes de Jair Bolsonaro listados pelo parecer, que é assinado por Miguel Reale Júnior, Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich.


Crime de responsabilidade 

De acordo com parecer, o comportamento de Jair Bolsonaro ao longo da pandemia "constitui clara afronta aos direitos à vida e à saúde, configurando-se a infração prevista na Lei 1.079/50, art. 7º, número 9."

Os juristas se basearam na conduta de Bolsonaro para sugerir o indiciamento por crime de responsabilidade, citando a promoção a aglomerações, o não uso de máscaras, a incitação a invasão de hospitais, o incentivo ao chamado tratamento precoce com remédios ineficazes para o tratamento da covid-19, a resistência à política de isolamento social, a crítica às vacinas, entre outros.

"A atuação continuada nos sentidos acima descritos deu-se sob a égide da orientação de que todos serão contaminados e só a imunização de rebanho elimina a epidemia, razão pela qual se deveria salvar a economia deixando morrer quem iria mesmo morrer, pois é esse o destino natural e temos todos o mesmo cheiro. "E daí?"", diz o parecer.

O texto ainda cita o entendimento errado de Bolsonaro sobre a determinação do STF que tornou concorrente as competências da União, Estados e Municípios no combate à pandemia. " O presidente deixou de cumprir com o dever que lhe incumbia, de assumir a coordenação do combate à pandemia, dizendo-se proibida qualquer ação pelo STF".


Crimes contra a saúde pública 

O parecer aponta três crimes contra a saúde pública que podem ter sido cometidos por Bolsonaro: 

a) Crime de epidemia com a pena aumentada em razão dos resultados morte e lesões corporais graves.

b) Crimes de infração de medida sanitária, baseada em 25 exemplos 

c) Crime de charlatanismo por ao menos três vezes. 

Nos dois primeiros crimes, o parecer aponta a possibilidade de outros agentes terem responsabilidade, com citação direta ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.


Crime contra a paz pública 

O parecer diz que Bolsonaro, "ao estimular a população a se aglomerar, a não usar máscara e a não se vacinar, incitou a população a infringir determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa (art. 268 do Código Penal), configurando-se, destarte, o crime de incitação ao crime".

Ainda de acordo com os juristas, o presidente praticou o crime de incitação "ao incentivar populares a invadirem hospitais e filmarem para demonstrar estarem seus leitos vazios, em profunda violação à intimidade dos doentes que lá estavam".

"Incitou, deste modo, à prática de invasão de domicílio (art. 150 do Código Penal) e de colocação de pessoas em perigo de vida (art. 132 do Código Penal)", diz o texto.

O parecer ainda diz que a "incitação, feita por Presidente da República e com ampla repercussão e acatamento, criou uma situação de alarma e intranquilidade social, em vista do receio de serem os crimes incitados efetivamente praticados, como de fato o foram". 


Crime contra a administração pública

Ao citar especificamente a suspeita de irregularidades na compra da vacina Covaxin, o parecer diz que "Bolsonaro e o ex-ministro Eduardo Pazuello foram devidamente alertados e, ainda assim, permaneceram inertes", o que indica um crime de prevaricação.

A referência é direta ao episódio relatado pelo deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), que alegou em depoimento à CPI da Covid ter avisado pessoalmente Bolsonaro sobre possíveis irregularidades na compra da Covaxin.

"Diante dos fatos, conclui-se que as omissões do presidente da República e ministro da Saúde estão previstas na lei penal sob a forma de delito de prevaricação", diz o texto. 


Crime contra a humanidade

Baseando-se na conduta do Governo em relação à pandemia na cidade de Manaus e em relação aos povos indígenas, o parecer diz que ficou "demonstrada responsabilidade penal individual de Bolsonaro, de Eduardo Pazuello e pelo menos, da médica Dra. Mayra Pinheiro Correia, pelos crimes contra a humanidade analisados".

Em relação aos indígenas, o relatório diz que "há elementos probatórios razoáveis para acreditar que houve, por parte do Governo Federal, em especial por parte do Presidente da República e do Ministro da Saúde, um ataque dirigido contra a população indígena, através de uma política de Estado de adoção de medidas concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortos entre as populações indígenas proporcionalmente superior ao que atingiu as populações urbanas;"

"Há indícios probatórios razoáveis para crer que esse ataque deliberado contra a população civil foi generalizado, na medida em atingiu vários grupos e comunidades indígenas, indiscriminadamente, como foi implementado de forma sistemática, obedecendo a um planejamento deliberado, reiterado e executado de forma uniforme, que só não causou danos ainda maiores em face da pronta intervenção do Supremo Tribunal Federal e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos", completa o texto.

Sobre Manaus, o parecer diz que há elementos probatórios razoáveis de "um ataque dirigido contra a população civil, através de uma política de Estado de adoção de medidas concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortes, inclusive por falta de oxigênio, número esse desproporcional à média nacional e evitável, tivessem sido tomadas as medidas adequadas para enfrentamento da crise naquele Estado". 

*Com informações da Estadão Conteúdo