Para ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, com as atuais políticas para questões ambientais, será cada vez mais difícil encontrar parceiros comerciais
O posicionamento do Comitê de Assuntos Tributários americano em relação ao governo Bolsonaro “praticamente liquida” as chances de acordo com o Brasil, avalia o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero.
Quais serão os efeitos dessas duas decisões?
O que me impressionou mais é a carta do comitê da Câmara dos EUA. É o mais poderoso do Congresso americano. Todas as questões ligadas a comércio são tratadas nesta comissão, e ela é absolutamente fundamental para qualquer acordo, inclusive para poder dar uma licença para começar a negociação. Achei muito impressionante a carta, que praticamente liquida qualquer tipo de tentativa de um acordo com o Brasil, porque os democratas dominam a Câmara.
Então a posição do comitê trava qualquer tipo de negociação?
Eles tendo essa posição na Câmara, não há possibilidade de o USTR (Representante de Comércio dos EUA, na sigla em inglês), que é o órgão que negocia, poder prosseguir. Mesmo que prossiga, não tem condições de ver isso aprovado. Uma coisa que aqui no Brasil ninguém tem realçado: Joe Biden é muito mais comprometido com o meio ambiente do que o (ex-presidente dos EUA Barack) Obama. Ele foi vice do Obama, mas ele é mais ligado à ideia da economia verde. Então ele sendo presidente, a situação em matéria de meio ambiente vai ficar mais complicada para o Brasil.
A aposta do Bolsonaro em se alinhar ao Trump vai acabar colocando o país em uma situação ruim caso Joe Biden vença?
Vai ficar em uma situação difícil. É claro que os EUA vão procurar ter um bom relacionamento com o Brasil, mas não vai ser mais com o governo americano essa intimidade que o governo brasileiro hoje pretende ter. O Biden já fez declarações sobre o desmatamento da Amazônia recentemente, então isso tende a ficar difícil. Sobretudo porque a estação chuvosa da Amazônia está chegando ao fim, daqui a pouco começam os incêndios de novo. A não ser que o Brasil dessa vez consiga ter um desempenho melhor do que no ano passado, vai voltar toda essa campanha.
E quanto à decisão do Parlamento holandês?
Já houve decisões nos Parlamentos da Áustria e da Irlanda. Hoje não há absolutamente ambiente para que a União Europeia possa ratificar o acordo. Acredito que os europeus não vão propriamente abandonar o acordo, mas deixar em banho-maria, vendo se a situação melhora. Nos próximos meses, não creio que haverá uma evolução.
A equipe econômica tem uma política de abertura comercial. Essas repercussões das questões ambientais não trazem uma situação ruim para essa política?
Para fazer uma abertura comercial na base de acordos, você precisa ter parceiros que aceitem negociar. Na situação que está aqui nessa área de meio ambiente, cada vez vai ser mais difícil encontrar parceiros expressivos que queiram negociar com o Brasil. (A opção seria) uma abertura unilateral. O Brasil, se quisesse, podia fazer, mas não sei se tem cacife pra isso. Porque, com o desemprego que vamos sair da Covid-19, a primeira consequência de uma abertura unilateral é (mais) desemprego.
Como?
Vou dar um exemplo claro. Um dos setores que mais empregam no Brasil é o automobilístico e todas as indústrias conexas, autopeças etc. Essa é uma das áreas que têm as tarifas mais altas, 35% de proteção. Se o governo brasileiro quisesse acabar com a proteção no setor automobilístico, é claro que ele pode, pode fazer um decreto. Mas o que acontece? Ele liquida toda a indústria automobilística, que vai afetar inúmeros estados, vai ter um desemprego em massa numa situação que o país já está muito prostrado e vai demorar muito simplesmente para absorver o desemprego atual, sem falar em criar novos empregos. É uma impossibilidade prática, a não ser que eles quisessem se suicidar.