sábado, 4 de abril de 2020

Câmara aprova ‘Orçamento de guerra’, para aumentar gastos públicos durante a crise


A Câmara dos Deputados aprovou, na sexta-feira (03/04), em primeiro turno, o texto-base do “Orçamento de guerra”, que permite a ampliação das despesas públicas para conter o coronavírus, sem as amarras que hoje restringem os gastos federais. A proposta de emenda à Constituição (PEC) foi pensado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e conta com apoio do Ministério da Economia.

O texto dá ao governo a segurança jurídica necessária para gastar o que for preciso para conter o avanço da Covid-19, além da adoção de medidas econômicas relacionadas à pandemia. A PEC foi aprovada por 505 votos a favor e 2 contra.

Como se trata de uma mudança na Constituição, é preciso duas votações. Ainda é preciso votar um destaque do PSOL antes de analisar a PEC em segundo turno.

O trecho mais polêmico, que levantou discussões no plenário nos últimos dias, aumenta o poder do Banco Central durante a crise.

A PEC cria um comitê de crise comando pelo presidente Jair Bolsonaro e composto por ministros e secretários estaduais, além de deputados. Esse colegiado terá poder de anular atos e contratos celebrados pela União e suas autarquias e empresas públicas. O Congresso poderá sustar qualquer decisão do comitê.

A proposta autoriza a contratação de pessoal, obras, e serviços e realização de compras por meio de um processo simplificado, mais rápido que as regras estabelecidas para situações normais.

Para ampliar os gastos públicos durante a crise, a PEC permite que as despesas relacionadas ao combate à pandemia e seus efeitos na economia possam ser feitas sem o cumprimento das regras que hoje regem o Orçamento público. Esses gastos, porém, não podem ser permanentes e limitados à crise.

Uma das regras em vigor hoje, por exemplo, é a necessidade de indicar fonte de financiamento para o gastos. Com a PEC, as despesas devem ser cobertas com a emissão de dívida por parte do governo.

A PEC prevê validade retroativa a 20 de março. Os técnicos do governo estão com receio de assinar os atos necessários para gastar com a crise, por conta das dificuldades impostas pelas regras orçamentárias. Por isso, essa medida é importante para dar segurança ao que já foi publicado.

O “Orçamento de guerra” segrega os gastos que são impostos pela crise das despesas tradicionais do governo. Essa é uma maneira de garantir a continuidade do ajuste fiscal quando a pandemia passar. Ou seja, apesar de permitir um aumento de gastos em 2020, garante a volta das medidas de contenção de despesas em 2021.

O texto permite ao governo emitir dívida para pagar as ações. A “regra de ouro” — que proíbe o governo de emitir dívida para pagar despesas correntes, como salários — fica suspensa neste ano, pela proposta aprovada, o que também atende a equipe econômica.

Fundo eleitoral
Após a líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), fazer uma reclamação durante a sessão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vetou a possibilidade de apresentação de nove emendas ao texto. Entre elas, estava uma emenda com o objetivo de cortar salários de servidores federais durante a crise.


A decisão revoltou os deputados do partido Novo. Esses parlamentares queriam incluir na PEC uma emenda que liberava o uso de verba dos fundos partidário e eleitoral para o combate ao coronavírus. A atitude de Maia impossibilitou que esse trecho fosse votado separadamente.

Maia justificou a decisão argumentando que o Regimento Interno da Câmara não permite a apresentação de emendas estranhas ao tema central da proposta. Segundo ele, as nove emendas não tinham "pertinência temática".

Banco Central
O projeto também autoriza o Banco Central a comprar títulos do Tesouro Nacional e dívidas de empresas diretamente no mercado. A ideia foi apresentada pelo BC para possibilitar ações mais eficazes no combate aos efeitos econômicos da crise do coronavírus. Atualmente, a autoridade monetária só pode atuar por meio do sistema bancário e não diretamente no mercado.

O projeto permite que o BC auxilie o funcionamento do mercado de títulos públicos. É uma maneira de dar liquidez ao mercado, colocando recursos e equilibrando a oferta e demanda.

A proposta também permite que o BC compre crédito direto no mercado. A intenção do Banco Central é evitar que o mercado de crédito fique travado. Na prática, o BC compra os títulos e assume o risco do não pagamento das dívidas. Dessa forma, o crédito pode fluir com mais facilidade.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, avalia que a medida pode ser efetiva para o momento atual.

— É um instrumento adicional que moderniza a ação de política monetária do Banco Central, que já é estabelecida e praticada em países desenvolvidos, mercados consolidados. Isso é um avanço que se dá no Brasil — afirmou.

No entanto, a autorização é para atuação apenas no mercado secundário, ou seja, somente para ativos que já estão no mercado. Dessa maneira, o BC não pode comprar títulos diretamente do Tesouro ou crédito diretamente das empresas.

Para atuar no mercado de crédito, o Banco Central vai precisar da autorização do Ministério da Economia e informar ao Congresso Nacional a cada operação. O projeto também prevê que as atuações precisam ter pelo menos 25% de aporte do Tesouro Nacional. Essa obrigação limita a atuação do BC à disposição do Tesouro de prover esses recursos.

De última hora, o relator incluiu um trecho que obriga o presidente Banco Central, Roberto Campos Neto, a prestar contas das operações ao Congresso Nacional a cada 45 dias. O texto prevê que os novos instrumentos só poderão ser usados enquanto durar a pandemia.